Polycarpo Anjos, proprietário e encomendante da quinta e chalet de Miramar, manteve, ao longo da sua vida, uma profunda ligação com o concelho de Oeiras. O seu contributo foi determinante para o desenvolvimento da Cruz Quebrada como o centro de veraneio, frequentado, na segunda metade do século XIX, por muitas individualidades da época. Foi também aqui, mais precisamente em Algés, que fez questão de mandar edificar o seu próprio chalet, ao gosto francês.
De seu nome completa Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, o influente comerciante e capitalista nasceu em Lisboa, a 3 de Fevereiro de 1845.
Oriundo de uma família de origens modestas mas rápida ascensão – os fundadores da firma comercial Anjos e C.ª – Polycarpo Anjos foi o segredo de dois filhos de Flamiano José Lopes Ferreira dos Anjos e de Leonor Magdalena Caetana Pequet dos Anjos. Descendente de ativos comerciantes e filantropos, de cujas tradições foi seguidor, Polycarpos Anjos foi um dos mais respeitados nomes do seu tempo, sendo-lhe reconhecida inteligência e perspicácia, a par de um carácter rigoroso e obstinado. Foram, certamente, tais características que lhe permitiram obter admirável sucesso nos negócios. Como comerciante, capitalista e empreendedor Polycarpo Anjos destacou-se de forma notável.
Foi educado com esmero, tendo inclusive estudado em Inglaterra – partiu, muito novo, para Manchester, onde fez a sua formação comercial.
Uma publicação da época, “Commercio e Industria”, descreve-o numa das suas edições, como sendo “elegante, dedicado, generoso, bom sem alarde, fazendo o bem pelo bem e não para satisfazer mesquinhas vaidades”, chegando a declarar que “podia ser tudo quanto quisesse neste País”.
Para lá das públicas virtudes, era descrito como sendo, na intimidade, um chefe de família exemplar: marido dedicado – casou, em 1871, com Alice Joyce Munró, descendente de brasonadas famílias oriundas da Irlanda e da Escócia – e pai extremoso, de sete filhos – Maria Leonor, Fernando Matilde, Beatriz, Berta, Henrique e Gabriela.
Os relatos acerca de Polycarpos Anjos dão, na realidade, conta de um homem que soube, ao longo da vida, aliar na perfeição, a vocação comercial e o sentido do lucro com o humanismo.
O seu testamento é bem o espelho disso mesmo. Pedia, por exemplo, que, após a sua morte, além do padre e do acólito acompanhassem o préstito para o cemitério 20 pobres, “dando-se-lhes a esmola de 1$00 reis a cada um”, “representando a classe a que eu e todos os meus pertenceram, na qual viveram e com a cooperação da qual eu e todos os membros da família Anjos alcançámos com muita fadiga, mas com muita honra e dignidade os haveres que aos nossos temos legado”.
E prosseguia, assinalando que o exemplo de seu pai deveria servir de reflexão e estímulo aos seus filhos – Flamiano Anjos, homem de poucos estudos, “chegou a ocupar na sua classe e no seu País a mais elevada e mais respeitada das posições”. Para Polycarpo Anjo, essa era a prova mais evidente” do muito que pode o trabalho incessante e honesto cercado do sentimento do bem em todas as suas infindas ramificações “.
Para ele, mais do que a fortuna, os “concelhos admiráveis, cheios de precisão e de bom senso prático” de seu pai eram, “sem dúvida, o brasão da glória da família”.
Nesse sentido, fazia ver, aos seus descendentes, que “além dos bens de fortuna que conto legar-lhe, lhes deixo mais do que isso, um nome benquisto de todos e honrado, um nome até hoje sem mancha, quer no viver social, quer na vida comunitária”.
Considerava, ainda, efémeras as vaidades e as distinções sociais e encarava como um dever “tratar igualmente bem a todos, desde a mais humilde e deserdado da fortuna, até ao de mais elevada posição social, não desprezando ou amesquinhando absolutamente ninguém”. Só assim – afirmava –se pode neste mundo conciliar a estima do maior número e o respeito de todos”.
Se terá ou não gerado simpatias unânimes será difícil dizer, mas o certo é que Policarpo Anjos surge invariavelmente descrito como um homem bom.
Em termos profissionais, o sucesso sorriu-lhe, ao longo da vida. Integrou, juntamente com o seu irmão Carlos e o pai, o grupo de primeiros acionistas da instituição bancária “Lisboa & Açores”. Exerceu funções no Conselho Fiscal do banco, desde 1886 até 1905, ano da sua morte.
Foi, ainda, administrador numa outra instituição bancária, a Companhia Geral de Crédito Predial Português e dirigente da Associação Comercial de Lisboa, da qual foi presente, entre 1886 e 1888.
Eleito deputado na 31ª legislatura da monarquia constitucional, prestou juramento do seu cargo em Janeiro de 1896. Em 1902 foi nomeado par do reino, ocupando, desde então, o seu lugar vitalício, na Câmara dos Pares.
Era membro da Assistência Nacional dos Tuberculosos e do Instituto de Socorros a Náufragos, fazendo ainda parte da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Apoiou a criação de um santuário para a veneranda imagem de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, à semelhança, aliás, da grande maioria dos proprietários, a essa data, da barra ribeirinha entre a Cruz Quebrada e Algés.
Contribuiu para o desenvolvimento da Cruz Quebrada como centro de veraneio, promovendo, entre outros, a construção do Parque de Mira Torres e a criação de um clube de entrada restrita para banhistas. Naquela zona reuniam-se, durante a segunda metade de oitocentos, muitas individualidades da época. Quem não possuía residência própria alugava-a para os meses de Verão.
Ao mesmo tempo, Polycarpo Anjos edificava, em Algés, o seu próprio chalet de veraneio, na quinta de Miramar. Na zona envolvente à abertura da estrada que liga, desde princípios do século XX, Algés de Baixo a Algés em Cima, mandou construir, em meados da década de 60 de século XIX, um “chalet” ao gosto francês, circundado por um jardim de sabor romântico, inicialmente chamados Vila e Parque Miramar.
O casamento de Henrique Anjos, um dos seus filhos mais novos, acaba por ter alguma influência naquele que haveria de ser o futuro da quinta de Miramar, a propriedade de Polycarpo Anjos em Algés.
Henrique desposou Maria Olímpia Viana Simões e dessa união nasceram oito filhos. Maria Manuela, a segunda filha, viria a casar com António Bernardo da Costa Cabral de Macedo.
A singularidade desta enlace prende-se com a forma como a quinta de Polycarpo Anjos veio a tornar-se, somente em 1966, propriedade da Câmara de Oeiras depois de 24 anos de negociações.
A negociação conclusiva desta transmissão de propriedade – o já então designado parque Anjos e seu palácio – foi ajustada entre os seus proprietários a essa data, que já não eram os herdeiros do seu criador e o então presidente da Câmara Municipal de Oeiras, António Bernardo da Costa Cabral de Macedo, que durante nove anos ocupou o cargo. Deste modo, as negociações foram finalmente bem sucedidas pela mão do marido de uma neta do seu primitivo proprietário.
Polycarpo Anjos faleceu em 23 de Junho de 1905, na sua vivenda da quinta Miramar.
CORREIA, Sónia – «Polycarpo Anjos». Conhecer Oeiras nº 10. Oeiras: Câmara Municipal de Oeiras, 2005