João de Freitas Branco

João de Freitas Branco nasceu no dia 10 de Janeiro, em Lisboa, mais precisamente no edifício do Conservatório Nacional. Este facto singelo mais pareceu um bom augúrio para uma vida dedicada à música.

 

João era filho único do compositor e musicólogo Luís de Freitas Branco, que no final da vida, e durante mais de uma década, residiu no Concelho de Oeiras, (na vila de Paço de Arcos), região associada à memória de um dos seus mais notabilizados ascendentes: o Marquês de Pombal. Licenciou-se em Matemática. Mas o estudo dos números não lhe ocupa todo o espaço de vida, uma vez que desde a infância se dedica ao estudo da música. Em 1938 começa a ajudar o seu pai como crítico musical do jornal “O Século”, cargo em que mais tarde lhe sucede. E, enquanto pode, vai conciliando a música com a vida académica. Durante o seu curso de Matemática, e o do Conservatório, vários são os recitais em que participa, nomeadamente o recital realizado a 24 de Abril de 1941, promovido pela Emissora Nacional, em que se faz ouvir ao piano em obras de D . Scarlatti, M. Ravel, J. Ibert, D. Milhaud e A. J. Fernandes. Em 1943 concluí o curso do Conservatório Nacional e um ano mais tarde, a convite de Pedro do Prado, começa a desempenhar funções de assistente de programa musicais na Emissora Nacional. Neste mesmo ano de 44, em que também se dá a sua conclusão da Licenciatura em Ciências Matemáticas, ingressa no grupo de investigação matemática dirigido por Rui Luís Gomes. Ainda neste mesmo ano, é contratado pelo Colégio Manuel Bernardes para dar aulas de Matemática. Mas esta sua função só é levada a cabo durante um ano, não obstante ter sido considerado, pelos alunos, um dos melhores docentes do colégio.

 

Como é referido na “Cronologia” recentemente publicada que serve de base à elaboração da presente brochura, em 1948 “integra o grupo de fundadores da Juventude Musical Portuguesa, ocupando o cargo de presidente da Direção; por insuficiência das remunerações das suas atividades musicais, muitas delas inteiramente gratuitas, e por efeito do regime então vigente, vê-se obrigado a desempenhar, a partir de 18 de Outubro desse mesmo ano, o cargo de secretário-geral adjunto no Automóvel Club de Portugal (ACP), lugar que ocupará durante 22 anos em regime de part-time” podendo, desta forma, dedicar-se à sua paixão: a música. É principalmente por sua influência que se realiza pela primeira vez em Portugal um congresso internacional de música: O 6º Congresso da Federação Internacional das Juventudes Musicais (26 a 29 de Março de 1951). Anos mais tarde “é convidado pelo Professor Almeida e Costa a ingressar num grupo de investigação matemática, no entanto absorvida pela música para que pudesse aceitar”. É nesse mesmo ano de 1955 que, a 27 de Novembro, morre o seu pai. Em 1956 cria o programa radiofónico “O Gosto pela Música” na Emissora Nacional, programa marcante e que constituiu um recorde mundial por ter durado 29 anos sem uma única interrupção. A sua paixão pelo futebol, mais precisamente pelo clube de Alvalade, leva-o a escrever muitos dos seus programas enquanto ouvia o relato de futebol… um golo da equipa de Alvalade elevava o seu entusiasmo.

 

A sua paixão pelo meio rural leva-o a mudar-se para Caxias que, em 1957, era campo. E foi em Caxias que produziu algumas das suas obras fundamentais, tais como “A História da Música Portuguesa”. É também aqui que acaba por escrever aquela que continua a ser a obra mais importante sobre o compositor e pianista José Viana da Mota. “Tornou-se um dos primeiros colaboradores da então recém-criada Rádio Televisão Portuguesa (RTP), na qualidade de apresentador e autor de programas musicais.” No final da década de cinquenta “dedica-se à composição e é possível que tenha concluído nessa altura o seu Quarteto (para piano, violino, viola e violoncelo). Obra esta estreada a 26 de Novembro de 1999, num concerto evocativo da sua memória, promovido e organizado pela Juventude Musical Portuguesa no Auditório Eunice Muñoz, em Oeiras.

 

Publica diversas obras de âmbito musical. Prefacia alguns livros. Escreve inúmeros artigos. Na década de sessenta criou, na sua casa de Caxias, uma importante tertúlia intelectual, passando por lá grandes expoentes da cultura nacional. “Acompanha Stravinski durante a sua estada em Lisboa, facto que lhe dá a possibilidade de ter demoradas conversas com o autor da Sagração da Primavera”. Ao longo da vida teve oportunidade de conhecer pessoalmente outras figuras cimeiras da criação musical do séc. XX, como Paul Hindemith, Olivier Messien, Pierre Boulez, Zoltán Kodály, John Cage ou Xanakis. Em 1967 rege um curso de História de Música na Exposição Mundial (Canadá) e, também, na Fundação Calouste Gulbenkian. Um ano mais tarde recebe o Prémio da Imprensa para o melhor apresentador de televisão. Entre os anos de 1970 e 1974 foi diretor do Teatro de São Carlos onde leva a cabo uma importante reforma. Este cargo proporciona-lhe o contacto direto com várias grandes figuras da cena lírica. É durante este período que, a convite de Sir Rudolf Bing, assiste a uma récita de ópera no Metropolitan de Nova Iorque. No mesmo camarote encontrava-se Maria Callas. Em 1978 recebe o titulo de Doutor Honoris Causa em Filosofia pela Universidade Humboldt de Berlim.

 

Foi Diretor-Geral dos Assuntos Culturais e Secretário de Estado da Cultura e Educação Permanente, entre 1974 e 1975. Tentou então que fosse criado, pela primeira vez no nosso país, um ministério exclusivamente dedicado à cultura.

 

Em Caxias era conhecido, não só pelos programas que fazia, mas pelo lado afetuoso e simpático, falando com os transeuntes com quem se cruzava durante os longos passeios que realizava a pé.

 

Em 1984 “é submetido a uma delicada intervenção cirúrgica realizada no Hospital de Santa Cruz pelo seu melhor amigo de sempre, o cirurgião Manuel Eugénio de Machado Macedo”. Um ano mais tarde regressa ao Teatro Nacional de São Carlos na qualidade de Administrador-Diretor Artístico e da Produção. Em 1986 realiza a última emissão do programa radiofónico “O Gosto pela Música”. É-lhe atribuída a Medalha de Mérito da Secretaria de Estado da Cultura (1987).

 

A 18 de Julho de 1989 é operado na sequência da deteção de um tumor renal. A 17 de Novembro desse mesmo ano morre na sua casa de Caxias, deixando vincada na memória de muitos a imagem de um homem de rosto sério, de melena a cair-lhe sobre a testa, e a voz bem timbrada de um comunicador nato. Como referiu Jorge Calado, do Instituto Superior Técnico, “João de Freitas Branco foi, sem dúvida, o grande educador musical dos portugueses”. 

 

ROCHA, Carla; BRANCO, João Maria Freitas – «João de Freitas Branco (1922-1989)». Conhecer Oeiras nº 5. Oeiras: Câmara Municipal de Oeiras, 2003