Jesus Correia

A 3 de Abril de 1924, numa casa da travessa Forte de S. Pedro (em Paço de Arcos), nascia um bebé do sexo masculino, de seu nome António, filho de João Correia e de Julieta de Jesus.

 

O António viveu os primeiros anos da sua vida numa casinha modesta, franzino mas sadio o rapazote foi crescendo. Frequentador da escola da rua, onde aprendia e praticava brincadeiras próprias da idade, o seu primeiro desporto foi o “Paunico”, isto é, uma espécie de “hóquei jogado com troncos de árvores e uns discos de cortiça”, e já então, revelava, a sua vocação e gosto pelo desporto.

 

Desde cedo, começou a dar nas vistas e bem depressa se tornou popular entre os amigos que lhe chamavam Necas, nomes que o tornaria mais tarde conhecido em Paço de Arcos.

 

O rapazote não tinha grande tendência para a escola, embora nunca faltasse às aulas e até compreendesse as lições. Certo é, que depois de terminadas as aulas, mais ninguém o via com a cartilha e se o quisessem encontrar era a jogar à bola na sua praia preferia, a Praia da Sardinha, bem resguardada dos ventos e com um muro para os mirones, na qual com a maré baixa, a areia molhada dava um excelente piso para as jogatanas.

 

O tempo foi passando e a sua fama e habilidade para o desporto foi-se tornando cada vez maior. Na rua as pessoas olhavam-no com admiração e faziam comentários que o deixavam envergonhado e cabisbaixo.

 

Aos treze anos veste a primeira camisola da Associação Académica de Paço de Arcos, jogava futebol ora a interior, ora a avançado-centro o que mostrava a sua versatilidade, posteriormente surge o seu segundo amor o hóquei.

 

Com uns patins emprestados e muito apertados, depois de algumas tentativas falhadas consegue equilibrar-se, nascendo assim o seu segundo amor.

 

Em 1937, formou-se a Sociedade Desportiva de Paço de Arcos e foi construído um ringue que fez as delícias da rapaziada da altura e no Verão do ano seguinte, um grupo de rapazes decidiu começar a praticar alo, hóquei em patins.

 

Entretanto, o António continuava a jogar futebol na Académica enquanto que os seus olhos diziam e o seu coração palpitava por aquela coisa dos patins.

 

Nesse momento começou a dúvida hóquei ou futebol, o “bichinho” dos patins começou a inquieta-lo e num jogo de futebol que foi disputar a Oeiras, pela Académica saiu no final da primeira parte e foi treinar hóquei às escondidas.

 

A 5 de Novembro de 1938, vê pela primeira vez o seu nome publicado na imprensa, no jornal “O Século” que organizou o I Torneio Popular de Futebol e divulgou o nome dos jogadores inscritos, então, lá estavam os da Académica de Paço de Arcos.

 

O “Necas”, a 4 de Dezembro, pisava pela primeira vez o Estádio do Lumiar, fazendo a sua estreia e vivendo o seu primeiro grande dia de desporto em Lisboa.

 

Então em Paço de Arcos, a grande loucura era o hóquei e o António não descansou enquanto não começou a fazer parte do grupo de rapazes que a grande velocidade “varriam” o ringue e davam o melhor de si. Habilidoso nato, começou então a treinar sob as ordens de Artur Gomes, baseava os seus treinos na velocidade, sempre muito persistente mas muito dividido, entre os dois amores gostava de hóquei, mas nunca esqueceu o futebol.

 

Lutador, caminhava a passos largos para a fama e prestígio que atingiria dentro em breve. De um momento para o outro, o rapaz estava lançado, a vida dele revolucionava-se e vai jogar futebol pelo Sporting. Com os nervos à flor da pele, a 10 de Outubro de 1943 no campo do Lumiar, António Jesus Correia veste pela primeira vez a camisola das riscas verdes e brancas, em campo mostra-se emocionado e acanhado.

 

Assim se iniciava a carreia de Jesus Correia, não vingou logo à primeira, nem isso era possível no clube dos leões mas, aos poucos foi crescendo e ganhando cada vez mais amor à camisola verde e branca. A cada dia se entronizava mais com os seus colegas, e o grande jeito que tinha para rematar à baliza (que anteriormente, o teria tornado célebre no hóquei), foi-se evidenciando também no futebol.

 

Trabalhava com apego e a sua hora de glória estava prestes a chegar. A 31 de Janeiro de 1945, Jesus Correia brilhou, jogou em cheio, meteu seis golos e o Sporting ganhou por 6 a 3 contra os Madrilenos Atlético Aviacion.

 

Sempre dividido entre as suas duas grandes paixões, na época de 1945/46, deixa o ringue e dedicou-se ao futebol mas, nunca esqueceu a magia dos patins e dos stiques. A sua época de glória foi em 1946/53, período em que surge no futebol português, uma das melhores linhas de avançados de sempre, “os violinos”, eram eles Travassos, Vasques, Peyroteo, Albano e, finalmente, Jesus Correia – os cincos violinos jogavam com tal harmonia que pareciam uma orquestra.

 

O tempo passava e a verdade é que a vida do Necas só tinha sentido aliada ao desporto, muitas alegrias e muitas vitórias estavam reservadas para a época seguinte, coroada como a época de ouro, foi campeão mundial de hóquei, e a receção aos jogadores no aeroporto foi indescritível, carregada de emoção, levando mesmo os jogadores às lágrimas.

 

O fruto proibido é o mais apetecido e a verdade é que o Necas travava uma “luta” constante dentro de si, entre a loucura dos relvados e a magia dos ringues. A data altura o Sporting exigiu-lhe que escolhesse. Difícil, muito difícil foi de certo a sua escolha mas, aos 28 anos abandona o futebol.

 

Mais tarde, constituiu família, casou-se em Fátima, a cerimónia foi recatada, foi morar para Paço de Arcos e fruto desse amor nasceram duas gémeas a Maria Leonor e a Maria João.

 

Figura marcante tanto no hóquei como no futebol, foi o último sobrevivente dos cinco violinos, e a sua última aparição pública teve lugar na Gala do Desporto, promovida pela Câmara Municipal de Oeiras.

 

Faleceu em 30 de Novembro de 2003, aos 79 anos, na sua residência. A sua partida deixou um enorme saudade, no concelho, nos clubes desportivos a que esteve ligado, e em especial na vila de Paço de Arcos, onde era particularmente admirado e acarinhado.

 

Uma vida dedicada ao desporto Campeão Nacional:

Oito vezes pelo Paço de Arcos Hóquei Clube em, 1942, 44, 45, 46, 47,49, 53 e 55.

 

Campeão europeu:  
Seis vezes com a selecção nacional em 1947, 48, 49, 50, 52, 56.

 

Campeão Mundial:  
Seis vezes em 1947, 48, 49, 50, 52 e 56.

Sete títulos nacionais sempre no Sporting Clube de Portugal em 1944, 47, 48, 49, 51, 52 e 53.
Três Taças de Portugal (1945, 1946 e 1948)

 

HENRIQUES, Ana – «Jesus Correia: um desportista de eleição». Conhecer Oeiras nº 7. Oeiras: Câmara Municipal de Oeiras, 2004